Tomo I – Poesias – Letras Pretas de Concerto

Música Surda

Poema: Dante Milano

Como num louco mar tudo naufraga.
A luz do mundo é como a de um farol
Na névoa. E a vida assim é coisa vaga.

O tempo se desfaz em cinza fria,
E da ampulheta milenar do sol
Escorre em poeira a luz de mais um dia.

Cego, surdo, mortal encantamento.
A luz do mundo é como a de um farol…
Oh! Paisagem do imenso esquecimento.

Os Portos

Poema: Fabiano Hollanda

que apague o fogo a febre ardente
e acabe em sono o sonho ausente
e eu tente as noites novas, livres

que a fada faça em calmaria
a tempestade a ventania
que a vela ancore em terra firme

Se eu não sei dos ventos
que derrubam muros
e arrebentam portas

se eu não sei dos remos
dessa nau sem rumo
só o porto importa
diante dessa derradeira rota
fria, morta

Desencanto

Poema: Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

Dois Elos

Poema: Diego Braga

Meu corpo quer solidão
leva a ilusão entre os braços
Anéis nos dedos são lassos
Não se entrelaçam nas mãos.

Teu voto prende o que espero
Como brincar descontente
Porém quem cala, consente
Gesto perjuro e sincero.

Canto o silêncio que fiz.
Riscos na areia com giz
Dizem tudo que revelo.

Abre a janela da sala.
Noite serena te embala.
Duas celas, nossos elos.

Epifania

Poema: Adriano Alves

Raras vezes me pensei no papel,
vestido a rigor, todo em branco e preto.
Na sisudez de paletó e de anel,
suavam dedos, mãos, o corpo inteiro.

Quando me vi, por fim, vertido em livro,
percebi que havia bem mais que espelho.
Todo ele (ou eu?) estava repartido
em sons, em letras pretas de concerto.

Senhor de várias coisas minerais,
mesmo não tendo da lira de Orfeu,
vislumbrei fatos imemoriais.

Simples como o riso que alguém me deu,
compreendi o meu próprio desalinho
para enfrentar o peso do moinho.

O Mesmo Tempo

Poema: Camões

O tempo acaba o ano, o mês e a hora
A força, a arte, a manha, a fortaleza
O tempo acaba a fama e a riqueza
O tempo o mesmo tempo de si chora

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão qualquer dureza
Mas não pode acabar minha tristeza
Enquanto não quiserdes vós senhora

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste
O tempo a tempestade em grão bonança

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante onde consiste
A pena e o prazer desta esperança

Poemas de Instante

Poema: Andréia Pedroso

O tempo passa
Intangível, errante.
Vozes relembram
Remotas estórias

Eu sinto apenas
esta vontade…
Versos, palavras,
murmurios… silêncio.

Preciso apenas
do tempo passando.
Memórias mortas
contidas na face.

Eu sinto apenas
esta saudade…
Versos, palavras,
murmurios… silêncio.

O tempo soa…
Vagos disparos,
Silêncios… Breves.
Agudos distantes.

O tempo coa
minhas histórias.
Sombras, refúgios,
poemas de instante

O tempo apaga
memórias tão vivas.
O desalinho
de tantas estórias

O tempo ecoa
memórias-rastros…
Versos, palavras,
murmurios… silêncio